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As pequenas chances, de Natalia Timerman

São Paulo: Todavia, 2023


26 de setembro, 2023

Difícil escrever, na comoção da leitura. Mas difícil não escrever, para tentar dar conta do que se leu – tarefa para o resto da vida. E é bem disto que se trata: o resto da vida, depois da morte do pai; vida e morte retratadas, ao mesmo tempo, com concretude e sabedoria, na profundidade e na superfície, em mil e um detalhes de rara contundência. 

Esta é a segunda obra longa de ficção de Natalia Timerman, dois anos depois do romance Copo Vazio. As duas primeiras partes do livro abordam, em tempos diferentes (que também se cruzam) e de perspectivas diversas (idem), o longo trabalho de morte do pai da autora, numa prosa assumidamente autobiográfica. A maestria do texto faz pensar em Tolstói (A Morte de Ivan Ilitch), por um lado, e Graciliano Ramos, por outro (a morte de Baleia, em Vidas Secas) ­–; isso pela força literária, que justifica e pede comparações assim, muito embora o registro penda mais para o gênero recente de autoficção, em que se cruzam história, memória e algo além, mais pessoal e sem nome.

Já a terceira parte narra uma viagem familiar à terra dos antepassados judeus: Bessarábia (hoje Moldova) e Ucrânia, de onde vieram para o Brasil na segunda década do século passado, fugindo do pior, que nem era ainda o pior. Se Natalia é nossa Tolstói, também é nossa Isaac Babel; e as vinhetas das pequenas cidades desse Leste bem pobre da Europa são inesquecíveis. Num livro de grande, mas controlada liberdade, há espaço para reflexões ensaísticas sobre o judaísmo, o antissemitismo e o contexto brasileiro também, sem falar no contexto íntimo de marido e filhos.
Fazendo incrível contrapeso às agruras do pai, vem depois um não menos incrível relato de um parto natural. Entende-se ali o quanto entrar na vida, assim como deixar a vida, é um esforço no limite do impossível.

Fosse isso e já seria infinito este livro. Mas um epílogo – que não se deve ler, em hipótese alguma, antes da hora! – dá mais uma volta no parafuso. Joga As Pequenas Chances para outro plano, ainda, da mais lúcida e engenhosa sabedoria literária, só comparável à comoção que nos faz guardar a leitura, para sempre, na cabeceira do coração.