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Pandora, de Ana Paula Pacheco

São Paulo: Fósforo, 2023


10 de abril, 2023

“Ouço o revólver de seus pensamentos”, diz a narradora, sobre seu terceiro cônjuge, um morcego, com quem divide o apartamento durante a pandemia. Um tanto mais grotesco e um tanto mais sanguíneo do que o pangolim, seu segundo casamento; mas nem tão mais insólito do que o envolvimento com a moça conhecida numa ocupação no centro da cidade, com quem resolve montar um negócio de sexo remoto para prostitutas sem trabalho durante a catástrofe. Não é pouca coisa, para uma professora universitária em isolamento.

Afrontoso, incisivo, engraçado – até muito engraçado ­–, com liberdades de opinião e imaginação espelhadas na forma livre dessa ficção que não é exatamente um romance, mas não deixa de ser, tudo aqui é alegoria, e não é. Pouco a pouco, a loucura vai compondo um retrato do país mais louco ainda, não só de agora. Quando chega o último capítulo, inesperado episódio real de um líder político dos Bálcãs, o livro dá uma pirueta. Como diz a agudíssima Ana, na inconfundível, confiante e cativante voz do semi-homonimato, “enquanto isso o mundo lá fora vai de mal a pior”.

E o virtuosismo da escrita? O livro tem muito sexo – intra e inter-espécies – e muita sujeira (física e metafísica); a prosa se equilibra, bêbada, no fio das navalhas. Abusada, desapoquentada, cool. Quanta coragem! 

Instagram, 4/4/2023