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João Camarero: Baden


23 de março, 2025

João Camarero, Baden 

(EP Borandá, 2025)


Direto ao ponto: essas gravações são um marco no acervo do violão brasileiro. Lançadas como EP (são só cinco faixas), catapultam João Camarero ao céu da nossa música, naquela nuvem dourada onde moram para sempre os nossos maiores violonistas.

Não é de hoje que Camarero (n. 1990) conquistou reconhecimento, tanto dos especialistas quanto do público. Seu último disco solo, Gentil Assombro (GuitarCoop), de 2022, já rendera elogios universais. Ele ali toca uma combinação de música popular brasileira (Paulinho da Viola, Radamés Gnatalli e composições próprias) e clássicas (Sérgio Assad, Manuel Ponce, Manuel de Falla). No EP, concentra-se em Baden Powell, de quem se revela o predestinado intérprete.

Baden (1937-2000) é um deus do violão; até por isso, menos conhecido como compositor. Mas a força de sua imaginação, 25 anos depois de sua morte, só faz aumentar. Não são só os afro-sambas, parcerias com Vinicius de Moraes no início da década de 1960, e que teriam enorme impacto para mais de uma geração; mas outros tantos sambas e valsas e choros, que ele mesmo gravou, nem sempre com o maior apuro.

Este é o momento de dizer o que os violonistas sabem, mas não falam em público. Baden foi um gênio da música e um dos maiores instrumentistas brasileiros de todos os tempos. Nem por isso se podem deixar de notar cruezas no som e desequilíbrios técnicos que até fazem parte do estilo, mas muitas vezes chega a incomodar. O que João Camarero faz, agora, é justamente dar a Baden o que é de Baden, na plenitude de sua potência e com uma naturalidade tamanha que até disfarça o virtuosismo.

Para quem é músico, este é um daqueles discos que a gente escuta e quer logo correr para o instrumento. Não porque seja capaz de reproduzir o que ouviu. Mas pela pura, fulgurante alegria da música, que transborda em tudo o que ele toca e nos faz querer participar.

Cada faixa mereceria comentário detalhado. Fiquemos com alguns momentos do “Poema dos Olhos da Amada”, composição bissexta de Vinicius de Moraes, com letra de Paulo Soledade, que Baden gravou com uma famosa “Introdução”. Muito da arte de Camarero transparece nos detalhes. Preste-se atenção, por exemplo, em 00:58, na figura de acompanhamento do arranjo, uma citação de Villa-Lobos, acolhido aqui com total pertinência (a mesma figura retorna em 1:59). Ou então na incrível frase que começa nas cordas graves e vai acelerando e espiralando para cima, a partir de 1:17, entrando na seção intermediária, em tonalidade maior. Ou ainda nos arabescos que ornamentam o retorno da melodia principal, em 2:54, com discreto mas muito expressivo destaque para os glissandos (as notas deslizadas) em 3:08. Enfim: uma enciclopédia de violão, a serviço da música. E o suingue! As levadas! A velocidade!

 João Camarero é meu amigo e meu parceiro, fizemos muitos shows juntos nos últimos anos. Nessas condições, não há como manter presunção de imparcialidade. Mas, para além de amizade e parceria, ele para mim só se renova como referência, modelo, um ideal de violonista brasileiro. Impressiona e comove a cada nota e deixa a gente chorando de felicidade.

Instagram (@arthur_nestrovski) 6/2/25