DESPEDIDA | FAREWELL
Faz quinze dias, a Osesp e o Coro da Osesp, regidos por Marin Alsop, se apresentaram no Carnegie Hall, em Nova York. Carregados de
sentidos – artísticos, institucionais, até ecológicos (no programa “Floresta Villa-Lobos”) –, pode-se dizer, sem exagero, que esses foram dois concertos históricos. A seu modo, fechavam um ciclo virtuoso iniciado com Marin uma década atrás, que nos levou, pela primeira vez, ao Festival BBC Proms, em Londres, à Philharmonie de Berlim, ao Festival de Lucerna e a muitas outras das
principais salas de concerto ao redor do mundo, do Brasil à China. A seu modo, também, marcavam o fim de outro ciclo, pessoal, como diretor artístico da Fundação Osesp.
A decisão vinha sendo amadurecida há bom tempo, em conversas com o presidente Pedro
Parente e outros membros do Conselho de Administração, além do diretor executivo
Marcelo Lopes, meu grande parceiro nesses treze anos de tantas realizações. Quando fui convidado a assumir o cargo, em 2010, pelo então presidente do Conselho, Fernando Henrique Cardoso, a principal tarefa era assegurar a continuidade e garantir a estabilidade do projeto. A história da Osesp de lá para cá fala por si. Com todos os percalços da vida brasileira, sem contar a
pandemia de covid-19, que abalou o mundo inteiro, aqui estamos, no meio de mais uma temporada de alto nível, chegando de uma turnê internacional e com grandes planos para o futuro. A qualidade artística só cresceu, assim como o prestígio da Osesp.
Entre muitas outras conquistas, vale destacar a chegada de Marin Alsop, como regente titular, depois de três anos de transição com Yan Pascal Tortelier. Fomos pioneiros na contratação de uma regente mulher, o que só nos dá motivo de
orgulho. A passagem do bastão, de Marin para Thierry Fischer, conduzida com serenidade, profissionalismo e transparência, é outro motivo de satisfação para todos nós.
Ao longo de mais de uma década, busquei implantar renovadamente o senso de curadoria,
coordenando múltiplas frentes de atuação (artísticas, educativas, editoriais) e ampliando a relevância do trabalho da Osesp, seja no cenário paulista e nacional, seja, em alguma medida, internacional. Também a programação de
concertos seguiu neste espírito, conjugada ao desejo de levar os quadros artísticos mais longe. Nossa lista de regentes e solistas convidados faria
inveja a qualquer grande orquestra; e a construção do repertório manteve acento inovador, conversando com nosso tempo, sem deixar de cultivar o cânone, como bem compete a um conjunto dessa dimensão.
Entre muitos outros projetos ligados à música brasileira, merece destaque a gravação das sinfonias de Villa-Lobos, acompanhada de uma edição corrigida das partituras, sob a direção do maestro Isaac Karabtchevsky, trabalhando com nosso Centro de Documentação Musical. Estamos agora engajados no projeto “Música do Brasil” (Naxos/ Itamaraty), com quatro CDs lançados e outros três em breve. A lista de obras encomendadas a compositores brasileiros, de 2010 para cá, chega a 60 títulos, aos quais se somam as coencomendas internacionais, outra
iniciativa pioneira entre nós.
A Temporada 2023 já foi divulgada. As linhas gerais da Temporada 2024 também estão
definidas. As coisas estão em ordem.
Olhando em retrospecto, só posso agradecer pela experiência incrível de tanto trabalho,com tantos parceiros e interlocutores: músicos, conselheiros (gestão FHC, gestão Fábio Barbosa, gestão Pedro Parente), sucessivos governadores e secretários de estado, equipes da Fundação, artistas convidados e seus representantes, patrocinadores, membros da mídia, assinantes e público em geral, literalmente milhares de pessoas com quem tive a alegria de conviver, ao longo de tanto tempo – e aos quais não posso deixar de acrescentar, em outro plano todo especial, minha mulher Claudia Cavalcanti e nossas filhas. Mas um dos aprendizados que levo é justamente reconhecer a hora em que cabe à instituição renovar as reservas de energia para tocar um projeto como este. E também, do ponto de vista pessoal, a hora de voltar a projetos próprios e a uma vida com outras demandas, agora sem a carga de dedicação à Osesp.
Inauguramos hoje um Acervo que leva meu nome, na Midiateca da Sala São Paulo; uma coleção de quase dois mil livros, de música, literatura e outras áreas. É meu presente de despedida, em agradecimento pelo que vivi nesta casa e também como aposta no futuro, torcendo para que a Osesp tenha sempre condições de seguir seu caminho
como merece.
Viva a Osesp, viva a música! E viva o ideal que nos anima, patrimônio imaterial coletivo, que nos cabe defender, hoje talvez mais do que nunca.
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A fortnight ago, the São Paulo Symphony Orchestra and Chorus (Osesp), conducted by Marin Alsop, played a couple of concerts at Carnegie Hall. These were historical concerts for us, filled with special meanings of all kinds – artistic, institutional, even ecological ones (in “The Amazon Concert”). In their own way, they marked the end of a long cycle we began with Marin a decade ago, and which took us, for the first time, to the BBC Proms, Berlin Philharmonie, Lucerne Festival and many other prestigious venues around the world, from Brazil to China. In another, personal way, they also marked the end of my cycle as Artistic Director of Osesp Foundation.
Discussions about this decision had been going on for quite some time, with the President of the Board, Pedro Parente, as well as with other members of the Board, and the Executive Director, Marcelo Lopes, my greatest partner in these last thirteen years, when so much was achieved by our orchestra. Back in 2010, when I was invited to take up the position, by former Board President Fernando Henrique Cardoso (also a former President of Brazil), the main goal was to ensure continuity and stability for Osesp. The orchestra’s history in this period speaks for itself. With all the difficulties of life in Brazil, not to speak of the Covid-19 pandemic, which affected the entire world in the most dramatic way, here we are, approaching the last weeks of one more high-profile season, freshly arrived from an international tour, and with great plans for the coming years. Artistic quality has been on the rise steadily, and as well as the reputation of the São Paulo Symphony Orchestra.
Among many other achievements, one could mention the arrival of Marin Alsop as Music
Director (now Conductor of Honour), after three transitional years with Yan Pascal Tortelier. We had a pioneering role in naming a woman conductor, and feel very proud about this. The following change, after eight years, to Music Director Thierry Fischer, was conducted in the most professional and transparent way, which also gives us great satisfaction.
For more than a decade as Artistic Director, my efforts have been to instill an overall sense of curatorship, binding many different kinds of artistic and educational activity, and aspiring to grant meaningful relevance to all of Osesp’s work in
São Paulo, in the nation at large, and, to some extent at least, internationally. Concert programming followed the same guidelines, linked to our wish to inspire, and lead ahead our own instrumental and vocal ensembles. The list of guest conductors and soloists could make any great orchestra jealous, and the creation of our programmes has kept an innovative accent,
speaking to our own time, as well as cultivating the classics, as it befits an ensemble such as ours, very conscious of its role in Brazilian society.
Brazilian music has always had a special place
in our endeavors. Among many other projects, one might single out therecording, accompanied by a revised edition, of the complete symphonies by Villa-Lobos, under the guidance of maestro Isaac Karabtchevsky, helped by our team. We are now engaged in the “Music of Brazil” series (Naxos/ Brazilian Foreign Ministry), having released four CDs already, and with three more coming out soon. The number of Brazilian commissions during these years lists no less than 60 works, to which must be added several international co-commissions, another pioneeringeffort for us.
The 2023 season is out. The general outlines of the 2024 season have also been decided. Things are in order.
Looking back, I can only express my gratitude for such an extraordinary experience, working with so many partners, and interacting with so many people: musicians, Board members (under Presidents Cardoso, Fábio Barbosa, and Pedro Parente), successive Governors and Secretaries of State, our teams at the Foundation, guest artists, agents, sponsors, journalists, subscribers and general audiences, quite literally thousands of people with whom I’ve had the joy to be in touch, over such a long period of time – and to whom I cannot fail to add my wife Claudia Cavalcanti, and our daughters. But one of the lessons I carry is to recognize the hour when it becomes important for an organization to renew its sources of energy and imagination necessary to the task. And also, from a personal point of view, the time to go back to my own projects, and to a life with a different set of demands upon myself, no longer bound by the highly intense, utmost dedication required by Osesp.
Today we launch a small library carrying my name, at Sala São Paulo; about two thousand items, mostly in the fields of music and literature. This is my farewell gift, in appreciation for everything I’ve lived in this house, and also as a kind of bet for the future, hoping Osesp will always be given appropriate conditions to follow its path as it deserves.
Viva a Osesp! Viva a música! May we always keep the ideals which fire us, our highest patrimony, which must always be protected, these days perhaps more than ever.
Arthur Nestrovski
(27.10.2022)